O Rio Tietê, que serpenteia pelo coração de São Paulo, é uma via navegável com muitos laços históricos. Seu nome, na língua Tupi, significa “grande rio”, enquanto em Guarani, “águas verdadeiras”. Antes de ser mapeado pela primeira vez no meio do século XVIII, era conhecido pelos povos indígenas como Anhembi, nome inspirado em uma perdiz sul-americana. Com origens que remontam a cerca de dez a quinze milhões de anos, o rio foi utilizado por diversos povos – desde os ameríndios e os bandeirantes até os clérigos – cada um deixando sua marca em seu curso. No entanto, sua história é complexa – de um importante via fluvial a se tornar um dos rios mais poluídos de São Paulo.
O Tietê desempenhou um papel significativo no desenvolvimento de São Paulo. Durante o século XVIII, foi essencial para a exploração mineral e a produção de açúcar, o que alterou sua cor e levou ao desmatamento de suas margens. No entanto, no início do século XX, a industrialização e a urbanização começaram a fazer um impacto ainda maior. Dois fatores, em particular, mudaram seu curso:
a Proclamação da República e a abolição da escravidão. O primeiro fator obrigou São Paulo a procurar se industrializar, perdendo seu caráter rural, já que o poder público já observava seu potencial de crescimento e produção. O segundo obrigou os “investidores” a procurarem onde colocar seu dinheiro, sem ser na mão de obra escrava e em ações da ferrovia [1].
À medida que a cidade crescia rapidamente, o Tietê se tornou um símbolo do progresso industrial, mas também uma vítima desse crescimento. No início dos anos 1900, o despejo de resíduos se tornou comum. A degradação ambiental de longa data do rio levou-o ao estado atual. Hoje, ele é feio (turbio), sujo (contaminado com lixo e esgoto) e insalubre (transmite doenças). O quase século de despejo de resíduos deixou o Tietê sem vida, tanto figurativa quanto literalmente.
O que pode ser surpreendente é que, por volta do início do século XX, o rio era o local de competições de remo, regatas e natação. A fundação de quatro clubes de esportes aquáticos1 entre 1899 e 1914 contribuiu para essa transformação. Essa mudança na percepção e na lei foi notável, pois nas décadas anteriores, atividades físicas no rio eram proibidas por questões de segurança e moral [2] – mas não necessariamente por questões de saúde. Mesmo assim, o rio não era adequado para nadar, pois na década de 1890 surgiram advertências sobre a contaminação por E. coli e os riscos de cólera e febre tifoide.
Em 1900 já existiam mais de 150 empresas jogando lixo no Tietê, mas ainda assim nas décadas de 1920 e 1930, o rio era utilizado para pesca e atividades desportivas [3].
Apesar de sua degradação, o Rio Tietê continuou sendo uma parte importante da vida dos moradores de São Paulo na década de 1920. As margens do rio tornaram-se locais populares de encontro e recreação. Isso estava em sintonia com a era do higienismo, que promovia exercícios e ar fresco como tratamento para doenças.
O uso da natureza como parte das prescrições médicas foi combinado com o exercício físico e os jogos ao ar livre para promover a ideia de que um corpo em movimento e longe do confinamento urbano é um corpo mais saudável e vigoroso. Também houve uma intensa promoção de retiros em áreas naturais remotas, o que foi ainda mais incentivado com o advento das férias remuneradas [4].
O rio estava preso entre uma dualidade de saúde e doença. Por um lado, simbolizava o bem-estar físico por meio da promoção do exercício, e por outro, estava se tornando cada vez mais contaminado. Em 1927, um impressionante total de 30 toneladas de esgoto eram despejadas no rio por dia [5].
Para dar uma ideia, alguém que estivesse vivo em 1870, em um São Paulo com apenas 30.000 habitantes, testemunharia uma explosão populacional, chegando a 580.000 habitantes em 1920 – um aumento de mais de 1.800%, ou mais de 19 vezes2. Se esse tipo de crescimento continuasse no Brasil hoje, a população subiria de 220 milhões para 4,2 bilhões, uma trajetória inimaginável.



Em 1924, o primeiro evento oficial de natação no rio foi organizado pelo jornal esportivo Gazeta Esportiva, com o objetivo de promover a natação e o rio como um espaço público de lazer. O evento foi amplamente divulgado e atraiu muitos participantes e espectadores. O percurso de natação variava de 1,5 a 3 km e geralmente começava perto do centro da cidade. O evento anual se tornou uma tradição, desempenhando um papel fundamental na popularização da natação em São Paulo.
No entanto, à medida que o crescimento populacional e a industrialização aumentaram entre as décadas de 1940 e 1970, a reputação do rio piorou. A poluição disparou, e o rio que antes servia como um local de recreação e orgulho passou a se tornar cada vez mais inabitável [6].
A partir da década de 1990, após uma campanha popular para limpar o Tietê, o governo estadual investiu bilhões de reais em um programa de despoluição em várias etapas [7]. Apesar disso, no final da década de 2010, estimava-se que sete quilos de lixo ainda eram despejados nos rios e córregos da Grande São Paulo a cada segundo.
Dizer que o rio está indo na direção errada é um eufemismo - e isso é verdade de duas maneiras. A maioria dos rios começa no interior e segue em direção ao mar, enquanto o Tietê começa na Serra do Mar, a 22 km da costa, e flui para o interior. Além disso, enquanto os rios que atravessam grandes cidades modernas geralmente melhoram com o tempo, o crescimento descontrolado de São Paulo, juntamente com projetos de governo focados em soluções de curto prazo (muitas vezes chamados de projetos de vitrine), levou ao declínio geral da saúde do rio. A síndrome do legado ao governar por mandatos significa que o resultantismo de curto prazo não consegue ver a floresta pelas árvores, ou neste caso, o rio pela corrente.
Informação adicional
1 - Entre rios - a urbanização de São Paulo [documentário, 25m]
Fontes
1 - A “água verdadeira”: uma história do Rio Tietê
2 - Além da poluição, Tietê abrigou competições esportivas, pescarias e passeios românticos
3 - História do Rio Tietê
4 - A Cultura Física nos Rios da Cidade de São Paulo (Brasil – 1899-1940)
5 - Entre paredes de concreto
6 - Rio Tietê: A Primeira Travessia em 1924
7 - Mitos e verdades sobre a campanha de despoluição do rio Tietê
O primeiro, Clube Esperia, ainda existe
Se a data final desse cálculo fosse 1960, seria um aumento de 19,900% ou 200x