"Vamos em frente que atrás vem gente", como ditado, reflete bem a importância de não ficar parado no ambiente de trabalho. E, com o Brasil tendo mais de 200 milhões de pessoas, é fundamental que todas essas pessoas tenham emprego. Muitos brasileiros se orgulham muito de estar empregados, mesmo que seja em um trabalho básico na indústria de serviços.
Não é apenas do interesse pessoal do cidadão ter trabalho; também é ilegal estar desempregado no Brasil. Na verdade, isso já foi tecnicamente passível de punição com uma pena de prisão curta.
O motivo por trás disso pode provavelmente ser associado aos benefícios da previdência social. Enquanto nos Estados Unidos você basicamente paga seus próprios benefícios futuros de cada pagamento de salário, no Brasil, é possível que os idosos recebam um benefício da previdência social, independentemente de seu histórico de emprego - ou da falta dele. Isso é especialmente verdadeiro para indivíduos de baixa renda que se qualificam para benefícios não-contributivos1, que fornecem suporte para aqueles em necessidade financeira. No entanto, esses benefícios dependem da situação financeira da pessoa e da comprovação de dificuldades, e não apenas de seu histórico de trabalho.
Antes que a ideia de ir para a prisão comece a te preocupar, continue lendo.
O fato de alguém cometer um crime sem saber não é algo exclusivo do Brasil. Para provar isso, existe um livro chamado Three Felonies A Day, de Harvey Silverglate, que argumenta que o sistema legal dos EUA é tão complexo e sobrecarregado de criminalização que o cidadão médio comete vários crimes graves todos os dias, sem saber [1].
Agora, voltando ao Brasil, aqui está o real fundamento legal - especificamente, o Decreto-Lei 3.688, Artigo 59, de outubro de 1941 - sobre o crime de vagabundagem:
Art. 59. Exercer habitualmente a ociosidade, sendo apto ao trabalho, sem possuir rendimento que assegure os meios suficientes de subsistência, ou prover a própria subsistência por meio de atividades ilícitas:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.Parágrafo único. A aquisição superveniente de rendimento que assegure ao condenado meios suficientes de subsistência extingue a pena [2].
O que isso significa é que, se você fosse um brasileiro pego nas ruas e sua carteira de trabalho2 não estivesse assinada, poderia acabar preso. No entanto, não há motivo para ficar preocupado demais, porque a realidade é que ninguém vai preso hoje em dia por estar desempregado. Isso simplesmente não acontece.
Em termos legais estritos, isso é chamado de letra morta - uma lei ou regulamento que tecnicamente ainda existe no código legal, mas não é mais aplicado ou perdeu seu efeito prático.
Essa lei, enraizada na ditadura do Estado Novo, foi historicamente usada como uma ferramenta de controle social. Vagabundagem era frequentemente interpretado de maneira ampla e abrangia atos de protesto político. Durante o período de repressão política, não era incomum que indivíduos empregados fossem demitidos por suas posições políticas, e o desemprego subsequente os tornava vulneráveis a serem presos sob as leis de vagabundagem. Isso mostra como a lei era um mecanismo para controlar a dissidência e silenciar os inimigos políticos.
Historicamente, o conceito de otium cum dignitate – lazer com dignidade – era celebrado como uma forma nobre de descanso ou engajamento intelectual. A ideia era valorizada pela elite romana, que acreditava que o tempo livre deveria ser gasto em atividades significativas3, como atividades intelectuais ou empreendimentos artísticos, em vez de ociosidade ou devassidão. No entanto, no contexto da lei de vagabundagem no Brasil, não havia distinção entre descanso digno e o estado potencialmente punível de estar desempregado.
A lei de vagabundagem não tem mais o poder que tinha antigamente, especialmente com a promulgação da Constituição de 1988, que consagrou os direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo o “direito à educação, saúde, trabalho, lazer e segurança”4 [3].
Isso marcou uma grande mudança em relação aos tempos anteriores, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985), quando políticas populistas, como a CLT de Getúlio Vargas, um conjunto de leis trabalhistas feitas para proteger os trabalhadores, eram vistas como um problema. O regime militar via essas proteções como obstáculos ao crescimento econômico e flexibilidade, tratando-as como barreiras ao progresso. Com o tempo, o cenário político e social do Brasil mudou, com maior ênfase nas liberdades pessoais, incluindo o direito de estar desempregado. Isso reflete uma transformação cultural mais ampla, onde a ociosidade e o protesto não são mais criminalizados da mesma forma, e há maior reconhecimento da dignidade e liberdade pessoais.
Historicamente, a ociosidade e a vadiagem - e até mesmo atividades difíceis de definir, como a capoeira - estavam associadas a percepções sociais negativas, com o Código Penal Brasileiro de 1890 associando a vadiagem e os capoeiristas à criminalidade. Mas, assim como as visões sobre vagrância, ociosidade e emprego evoluíram ao longo do tempo, também evoluiu a visão da sociedade sobre a capoeira. Leia mais sobre isso aqui neste artigo irmão.
Fontes
1 - Uma lista dos livros do autor, incluindo Three Felonies a Day
2 - Decreto 3.688, Article 59
3 - Constituição de 1988
tipo BPC (Benefício de Prestação Continuada)
modelado pela carta del lavoro de Mussolini
Mas se os pobres também são pobres de tempo, quando eles experimentam o lazer?
Uma emenda de 2015 incluiu: a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.